O mito da produtividade
Parece mais seguro estar ocupado, porque fazer “nada” é perigoso.
Em 1988, a sátira americana “They Live” apresenta-nos a história de John Nada, um homem desempregado que, vagueando pelas ruas de Los Angeles, encontra uns óculos de Sol com uma particularidade: permitem ver a “realidade” por detrás das aparências. O que vê ele? Mensagens subliminares ao seu redor, utilizadas pelas elites, através dos meios de comunicação, para controlar as massas. A mensagem do filme é forte e transporta para os dias de hoje muito do seu conteúdo. Se colocássemos os óculos de Nada e olhássemos à nossa volta, uma mensagem domina sobre muitas outras: o culto da “Produtividade”.
À semelhança da famosa música dos Daft Punk, o trabalho quer-se “Harder, Better, Faster, Stronger”…longer. A produtividade é a inquestionável virtude dos nossos dias e o seu oposto é…ser Preguiçoso?
A preguiça tem muito que se lhe diga – ou que não se lhe diga – porque só no frenesim do “ser produtivo” se coloca o problema “não sabermos o que fazer quando não temos nada para fazer”. Leia novamente a frase anterior, é importante. Encontramos cada vez mais formas de estar em contacto com o mundo à nossa volta, no entanto ansiamos por “desligar a ficha da tomada” e calar o frenesim de vez em quando. O motivo parece óbvio: ninguém quer estar num estado permanente de participação e envolvimento com tudo o que os rodeia.
Preguiça e produtividade são opostos?
Não. Convido o leitor, por exemplo, a pensar nos momentos criativos, em que uma ideia inspiradora lhe surgiu, ou que a solução para um problema que tentava resolver finalmente vê a luz do dia. Muitos desses momentos surgem quando fazemos nada. E nem sempre um nada planeado! Curiosamente, muitos relatam sentir que, quando se encontram envolvidos em muitas atividades, as dificuldades em encontrar soluções para os problemas começam, e a criatividade perde-se. Não se sentir criativo, ou gerador de ideias com valor, é um problema num mundo em que lutamos por originalidade.
Mais importante, ainda que o nosso cérebro tenha evoluído para a ação, também precisa de descanso (ou preguiça). Esses momentos de preguiça impulsionam a nossa criatividade e crescimento pessoal, permitindo-nos tomar atenção a outros aspetos das nossas vidas até então negligenciados. É frequente o sentimento de culpa associado à preguiça. Mas afinal de contas, existe uma referência objetiva a partir da qual definimos alguém como preguiçoso? Não. O julgamento é feito com base na comparação e em expectativas sociais.
A obsessão pela produtividade coloca-nos a pensar constantemente no futuro, na tarefa do amanhã. Mas a vida, aquela que queremos realmente viver, não é apenas logística, e sim fundamentalmente emocional e relacional. As verdades emocionais escondem-se no presente e podem ser descobertas nos momentos de preguiça. Tal acontece porque nesses momentos podemos finalmente focar-nos no nosso corpo, nas sensações e estar em contacto connosco. Emergem questões como “Quem sou eu? No que me tornei? Para onde vou?”. Mas a resposta a estas questões é dada no presente, não no futuro1.
Acredito, assim, que este mito nos está a privar do nosso espaço pessoal, do acesso ao nosso mundo interior, pela culpa que instiga, e se traduz na frase atrás da qual nos escondemos frequentemente: “Tenho estado ocupado”. Parece mais seguro estar ocupado, porque fazer nada é perigoso.
Quantidade não é qualidade:
Apesar das exigências para uma constante produtividade, a sabedoria do dia-a-dia facilmente desmistifica a ideia de que produzir mais não resulta necessariamente em algo com valor. A produção em quantidade encontra-se, frequentemente, associada ao fenómeno conhecido por multitasking, ou o envolvimento simultâneo em várias tarefas que têm diferentes objetivos (Sanbonmatsu et al. 2013). Ao contrário do que se acreditava, não só popularmente mas também na investigação, o nosso cérebro não funciona exatamente como um computador. Leia a frase anterior novamente, é importante. Tal significa que investir em várias tarefas em simultâneo, apesar de aparentemente produtivo, não se dá sem perda de desempenho.
O momento presente, ou…como atravessar uma passadeira?
Todos temos responsabilidades e exigências às quais devemos responder. No entanto, uma delas foi-nos incutida muito cedo na escola: antes de atravessar na passadeira pára, olha e escuta. Esta lição que nos ficou na cabeça durante todos estes anos continua a ser útil nas nossas vidas. Antes de nos deixarmos atropelar pelo mito da produtividade, vamos parar-nos, olhar-nos e escutar-nos, no aqui e agora.
Que o Dia Internacional da Preguiça nos faça parar no presente para pensar sobre quem somos, no que nos tornámos e para onde vamos, porque é na resposta a estas perguntas que encontramos o nosso lugar no mundo e os nossos momentos de felicidade.
1 Para uma interessante perspetiva sobre a importância da preguiça nas relações de casal ver o texto da Doutora Luana Ferreira, terapeuta de casal: http://mariacapaz.pt/cronicas/direito-a-preguica-e-a-sensualidade-por-luana-cunha-ferreira/view-all/)
Ângelo Simões
Psicólogo Estagiário na Casa Estrela-do-Mar