6ª Feira dia 05.12.2014
2ª Crónica – Madalena Arrependida
Neste dia venho falar-vos de algo que me aconteceu há uns anos e que é uma das muitas coisas que utilizo como auto motivação, naqueles dias em que me sinto mesmo chateada com a vida e penso para mim: “o que raio é que eu fiz de mal no meu percurso de vida, para andar a aturar estes miúdos…”.
Tive uma aluna com quem eu empatizava particularmente (sim, porque eu acredito que há alunos com quem nós comunicamos melhor, que nos tocam de forma diferente e acho que não há problema nenhum nisso, mas este assunto fica para uma próxima crónica…). Então, esta aluna passou uma aula inteira a desafiar-me, a responder-me mal, a por a minha autoridade em questão, vocês sabem do que eu estou a falar, quando eles testam todos os limites do razoável e do não razoável. A aluna já estava assim desde há algum tempo, más notas, falta de assiduidade, um péssimo comportamento em todas as aulas, sabem, aquela espiral decrescente em que eles entram e que da qual às vezes não conseguem sair. Eu ia-me safando porque de facto nós tínhamos uma ligação, mas naquele dia ela decidiu atacar o último reduto e massacrar-me até eu perder a cabeça. Levantei a voz, chateei-me à séria com ela e tive de utilizar de toda a minha autoridade para a colocar no lugar. Ora, só alguém que dê aulas sabe o que isto faz a uma pessoa, sentimo-nos impotentes, maus, injustos, fragilizados porque nos obrigaram a utilizar da nossa agressividade e depois ficam com aquela cara de “calimeros” andantes e nós ficamos com o peso de lhes ter desgraçado a vida, porque é assim que eles reagem, como se aquilo fosse a maior desgraça da vida deles.
No fim da aula, decido chamar a aluna, aluna esta que era das mais inteligentes que eu tinha, mesmo inteligente, sempre tinha acompanhado a minha matéria sem problemas nenhuns e até as minhas piadas sarcásticas. Chamo-a e faço o que qualquer professor ponderado faria na minha situação: desatei a chorar que nem uma parva… Não aguentei, eu sei que nós somos treinados para não mostrar fraquezas e fragilidades, para termos cuidado porque eles cheiram o medo e assim, mas também sou humana e face à frustração que eu estava a sentir foi inevitável. Chorei que nem uma perdida, disse-lhe que me sentia frustrada, chateada, que ela era inteligentíssima e que era uma sensação de impotência inacreditável para mim vê-la a deitar isso pela janela, e que já tinha percebido que não havia nada que fizesse ou dissesse que fosse mudar isso e que a vida é que a ia ensinar, mas que ia ser tão cruel, que me doía só a ideia do que ela tinha de passar no futuro…
Inicialmente a aluna olhou para mim com os olhos marejados de lágrimas e eu ponho-me logo a imaginar uma cena de filme tipo Hollywood em que ela chorava, mudava a sua atitude e a sua vida e era feliz para sempre…
E o que aconteceu? Nada disto! Ela olhou uma segunda vez para mim, levantou os seus muros todos e ignorou-me completamente durante o resto da conversa enquanto eu me recuperava do misto de vergonha e fragilidade.
No fim, este ser vivo ainda teve coragem de me perguntar: é tudo? Com um ar de total desplante como se o que se tivesse passado não fosse nada…
As aulas continuaram normalmente, tivemos a partir daí uma relação totalmente de professor aluno, com poucas confianças e na base do indispensável até deixar de lhe dar aulas.
Esta história podia ter ficado por aqui, como tantas outras pelas quais eu passei, mas não ficou. Uns anos mais tarde a aluna contacta-me pelo Facebook. Queria dizer-me que tinha entrado na faculdade, que estava a fazer um bom percurso e que era uma das melhores alunas no curso. Queria também dizer-me que foi aquele momento, aquele momento em que a professora dela se tinha desfeito em lágrimas, em que a pessoa forte e segura se tinha mostrado frágil, tinha sido aquele momento que tinha mudado o rumo dela na vida, porque percebeu que uma reação daquelas da minha parte só podia significar que eu acreditava nela de uma forma que não deixava margem para dúvidas de que ela tinha capacidades para fazer tudo.
Eu acho que às vezes não faz mal perdermos o controlo e partilharmos o que sentimos com estas pessoas que nos despertam tantas emoções, acho que às vezes temos uma importância na vida das pessoas da qual não nos apercebemos, acho que às vezes sabemos que tivemos esse impacto e outras vezes podemos nunca saber, mas acho que devemos sempre ser nós mesmos nas nossas relações, mesmo que isso signifique chorar que nem uma Madalena arrependida, porque às vezes, como foi o caso desta vez, vale mesmo a pena…
Até 6ª!
Pessoa Ana
*os factos apresentados não são fictícios, mas qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
com a realidade é pura coincidência.