Home > A Associação > Ana e as Pessoas – Uma Professora à beira de um ataque de nervos! 27ª Crónica (O que acontece numa aula – Manual passo a passo)

Início:

Os alunos entram para a aula como se estivessem a caminho de um destino terrível e inevitável. Os semblantes são pesados e as passadas lentas. Nas caras adivinha-se um pavor de olhar para o relógio e descobrir que não conseguiram perder nem cinco minutos de aula com o seu passo arrastado e molengão.

Sentam-se e a energia que lhes faltava no momento inicial multiplica-se e de repente já estão todos prontos e disponíveis para falar uns com os outros. Há uma necessidade incontrolável de contar alguma coisa que é urgente e não pode deixar de ser dita naquele momento, tem de ser imediatamente e nunca depois.

Começo a fazer a chamada, mais de metade das pessoas não me responde, estão demasiado entretidos ou com a cabeça nalgum sítio a quilómetros daquele local. Tenho de levantar um pouco a voz ou repetir o nome dessas pessoas. Quando consigo a sua atenção, respondem-me: “Estou aqui Stôra!”, como se eu estivesse a exigir deles algo de extraordinário e estivesse em falta com eles, afinal eles estavam ali e eu não os vi! Tinha de os ter visto!

Começo a falar, lentamente começam a chegar mentalmente e a acompanhar-me, faço uns quantos malabarismos para lhes chamar a atenção e nisto: Ok, calma Ana, a maioria já está contigo, toca a aproveitar…

Meio:

Após os conquistar, pouco a pouco começo logo perdê-los, é demasiado, são demasiados estímulos, é exigir demasiado…começam um a um a fugir-me.

Um olha para o telefone.

-Larga o telefone – digo eu.

-Era só para ver as horas Stôra.

Lá continuo, mas outra vez:

-Stôra, posso ir à casa de banho? – olho para ele com um olhar óbvio e responde-me:

– Não? Está bem…

Lá continuo, mas de repente:

-Aluno, põe-te para cima.

– Mas Stôra, não estou a incomodar ninguém…

– Não é adequado estares assim em sala de aula. 

Lá se levanta a muito custo.

– Stôra, posso ir lá fora, não mas estou a sentir nada bem…

– Stôra, posso ir com ele, não se está a sentir nada bem…

Saem os dois. Mas uma terceira pessoa levanta-se e sai.

– O que se passa? – Pergunto.

– É que Stôra, ele não está muito bem.

Passado um pouco volta.

– O que se passou aluno?

– Hoje não Stôra, deixe-me estrar.

E assim continua este jogo de ping-pong, esta espécie de dança entre professor e aluno que não deixa de ter algum ritmo cénico e muita beleza.

Fim:

Começaram  arrumar as coisa, a energia sobe-lhes outra vez pelas faces e ganham todos uma vida estonteante. Olham para mim, sabem que não gosto que arrumem as coisas antes de eu dizer, param de o fazer. Apesar de serem uns queridos por pararem este processo de arrumação e me deixarem falar, na verdade eles já não estão lá, estão mentalmente a arrumar as coisas, a pensar no que vão fazer no intervalo, no que vão comer, em quem vão ver,  tento agarrá-los:

– Alunos, oiçam-me que estou  dizer algo importante para a próxima aula.

Meia dúzia volta para mim, os outros não conseguem, eles querem, mas algo lá fora os puxa e é forte demais, eles até gostam de mim, mas têm preocupações demasiadas, tantas coisas a acontecer, eu aceito esta condição, consciente que no início da próxima aula mais de metade das pessoas vai dizer que eu não avisei que era para fazer os trabalhos ou trazer qualquer coisa necessária à aula.

A aula acaba, saem todos, fecho a porta e respiro fundo. Sorrio com tudo o que se passou, aceito e respeito-os dentro da sua condição adolescente, fico feliz por conseguir ainda sorrir por dentro das características que os acompanham. 

Ainda a sorrir abro a porta, eles começam a entrar e:

– Bom dia professora. 

– Bom dia alunos! Vamos a mais uma aula?

Até 3ª feira dia 01.12.2015

Pessoa Ana

*os factos apresentados não são fictícios mas qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

*este ano letivo as crónicas são quinzenais.